“Nossa, nunca tinha ouvido falar sobre gordofobia! O que é isso? Pessoas gordas também constituem uma minoria? Mas o que gordos querem?”
Calma.
Se você nunca ouviu falar sobre gordofobia ou se você só viu alguma coisa desconexa por aí, nunca se aprofundou ou tem algumas concepções erradas sobre o assunto (tipo “agora vai ser obrigatório ser gordo???”), essa série de textos é para você.
Nos próximos 5 artigos que escreverei para esse site, você vai aprender de forma resumida o que é a luta antgordofobia, pra que ela serve, o que ela quer e como você pode fazer parte. Segura na minha mão e vamos lá!
Parte 1 de 5: Gordofobia não é igual a pressão estética
Você deve perceber por aí que existe um tipo de corpo, aparência, cor de pele, cabelo, tamanho, formato, que é visto como “bonito”, deixando para todos os outros corpos a classificação de “feios”, “exóticos”, “estranhos” etc. Mesmo que todos nós tenhamos um gosto um pouco diferente um dos outros, não dá para não reconhecer que há um corpo específico que sempre vai ser valorizado, seja nas relações sociais, seja na mídia. A gente chama isso de “padrão de beleza”, um conjunto de características que definem a forma como você deveria aparentar para ser considerado bonito e desfrutar de um enorme leque de privilégios sociais.
Diariamente, somos bombardeados pela mídia com esses corpos “perfeitos”, pessoas que são reconhecidas pela sua beleza e que representam a casta “bem-sucedida” da sociedade. Você, pessoa que provavelmente não está dentro desse padrão, acaba se sentindo mal por isso, e começa a fazer o que qualquer pessoa faz dentro de um sistema capitalista: consumir. Compra uma assinatura de revista digital que dá dicas de beleza, adquire vários produtos que prometem te deixar linda, se matricula na academia e mais um monte de outras ações que fazem a roda do mercado girar.
Perceba que, para falar de pressão estética, vou me direcionar principalmente às mulheres. Isso não quer dizer que homens também não sofram desta pressão – principalmente aqueles que não se identificam com os estereótipos masculinos, como pessoas LGBTs e afins – mas sem dúvida nenhuma, mulheres sofrem em uma escala muito maior que homens nesse quesito.
Dentro da pressão estética, vão falar do seu corpo. Vão dizer que ele é maior do que deveria. Vão te chamar de gorda. Vão dizer que “toda mulher está sempre 3 quilos acima do ideal”. Isso tudo é perverso, doloroso e pode acarretar um número enorme de questões psicológicas…
…o que não quer dizer que você está sofrendo gordofobia.
Dentro do espectro possível dos corpos humanos, vemos uma infinidade de variações que vão das mais magras até as mais gordas. O corpo humano é vivo e fluido, e pode transitar nesse espectro de acordo com todas as interações que faz com o mundo. A partir do ambiente, alimentação, relações sociais, genética e outros vários fatores internos e externos, o corpo humano passa a se apresentar em um formato específico, que vai mudando de acordo com a mudança desses fatores.
Mesmo que aparentemente acreditemos que o formato de nosso corpo depende única e exclusivamente da nossa vontade de mudá-lo, a ciência hoje cada vez mais entende que temos muito menos controle sobre o nosso corpo do que acreditamos ter. Por ser um resultado multifatorial, com muitos desses fatores fora de nosso controle, na maioria das vezes, não é possível lutar contra esse sistema de forma efetiva, muito menos mantê-lo sob controle por muito tempo.
Pensando dessa forma, passamos a entender que todos os corpos desse espectro são válidos, afinal, você é só mais um ser humano como qualquer outro, certo?
Errado.
Quando você é gordo, você é excluído sumariamente do convívio social, e isso está claro no mundo que te cerca. Nada é feito pra você. Cadeiras não te aguentam, catracas entalam, poltronas não te cabem, roupas não são feitas para o seu tamanho. Ser gordo quer dizer não ter direito de desfrutar o mundo, afinal, ele é feito para “pessoas normais”, e você não é considerado normal.
Mas a opressão não está só no mundo material, mas também no mundo subjetivo. Pessoas gordas carregam diversos estigmas, independente de suas personalidades individuais. São vistas como pessoas sujas, relaxadas, preguiçosas. São excluídas do mercado de trabalho como se seu corpo fosse testemunha de sua capacidade. São usadas como forma de entretenimento e retratadas sempre como estranhas, excêntricas, exageradas. Na mídia, pouquíssimas pessoas gordas ganham espaços que não dependam diretamente do tamanho do seu corpo, por exemplo, a gorda engraçada ou a gorda que quer emagrecer.
O que era para ser só mais uma característica de um corpo humano, assim como tantas outras que temos, passa a se tornar um estigma. Se você é gordo, você obrigatoriamente é (adicione vários outros adjetivos degradantes aqui).
Atente para o fato de que até agora, não falei sobre a questão estética de ser gordo, e isso não é por acaso. Pessoas gordas não estão dentro do padrão estético, então é claro que vão ser consideradas feias para aqueles que vivem sequestrados dentro desse sistema. Mas minha escolha por ignorar esse fato nesse texto tem também outro objetivo. Normalmente, pessoas desinformadas acreditam que a luta contra a gordofobia é sobre beleza. É sobre obrigar pessoas a acharem gordos bonitos. E isso não pode estar mais longe da realidade.
Estar fora do padrão estético vai, sim, te trazer alguns problemas. Vai, sim, te fazer sofrer se você quiser continuar dentro desse sistema. Mas não vai fazer você ser considerado uma pessoa doente. Ninguém vai dizer que você vai morrer cedo. Nenhuma cadeira vai quebrar com seu peso. Você não vai ser impedido de ir ao cinema por não ter onde sentar ou de sair na rua porque nenhuma roupa te cabe. Mas a gordofobia vai.
Perceba que a gordofobia não é uma versão “agravada” da pressão estética. Toda pessoa gorda sofre pressão estética, por não estar no padrão. Mas nem toda pessoa fora do padrão sofre gordofobia. Você pode, sim, olhar no espelho um dia e falar “dane-se que eu não sou loira” ou “dane-se que eu não tenho barriga negativa”. Mas você não pode olhar pra uma cadeira e falar “dane-se que você não me aguenta, eu vou sentar assim mesmo”. Se você for em uma consulta médica, nenhum profissional vai dizer que sua tosse é culpa da sua falta de depilação. Mas uma pessoa gorda sai até do oftalmologista com prescrição de dieta, sem nem um exame sequer além do visual.
Percebe como é muito além de só não ser bonito?
Na escala de tamanhos de corpos, é muito difícil dizer onde a gordofobia começa. Não dá pra dizer que a partir de tal peso ou de tal tamanho de roupa, você passa a sofrer gordofobia. Aqui, vale uma reflexão individual. Mesmo que eu não tenha o corpo padrão, será que eu sofro desumanização? Será que o mundo não me cabe? Será que todas as minhas características individuais são apagadas pelo tamanho do meu corpo?
Assim, você descobre se sofre ou não gordofobia.
No próximo texto, vamos falar sobre a questão de saúde e porque a luta também aponta para a gordofobia médica/científica, mas não se restringe só a tentar mostrar que ser gordo nada tem a ver com ser doente.
Até a próxima!