Confissões de uma mulher normal

Eu já fui obcecada por peso. Já fui tão obcecada que sentia meu estômago se desdobrando de fome dentro da minha barriga, abria a porta da geladeira e a única coisa que conseguia fazer era chorar. Não, nem um Polenguinho. Nenhum alimento era pouco o suficiente para o tanto que eu precisava emagrecer. Eu usava 36 – hoje visto 50. Não sei bem ao certo onde eu queria chegar. Só sabia que não era ali, era mais. Eu queria ser mais magra. Achava que a numeração das calças estava errada, que não era possível ser gorda daquele jeito e já vestir 36. Sim, eram as calças que estavam erradas, porque eu me via no espelho muito gorda. Pra piorar eu não ia ao banheiro. Eu não comia quase nada, mas queria que o pouco que comia saísse logo. Uma amiga recomendou um remedinho natural, “vende na farmácia sem prescrição, você toma e dentro de 6 horas vai ao banheiro”. Eu tomava um a cada 6 horas. Quando o remedinho começou a ter efeito rebote, achei melhor começar a vomitar. Contava 10 grãos de arroz, tomava um litro de água e saía da mesa com a desculpa que precisava ir fazer xixi. E vomitava.

Eu vomitava e chorava – de fome, de tristeza, de solidão. É muito solitário viver a prisão do seu corpo. É muito triste não conseguir pensar em mais nada além de emagrecer.

 

 

Fiquei encarcerada durante mais ou menos 1 ano. Foi o tempo que tomei o Roacutan, remédio para espinhas que tem a pior bula de efeitos colaterais de todos, entre eles distúrbios alimentares, depressão, desejo suicida. E eu tive todos os efeitos colaterais. Depois que parei o remédio, minha vida foi voltando ao normal. Mas claro, o desejo de ser magra está cravado na gente desde criança, o remédio potencializou, mas parar com ele não fez desaparecer toda a pressão que eu sofria para ter o corpo perfeito. Eu achava que não era perfeita. Eu achava que precisava ser…

Foi só 4 anos e 20 sessões de terapia depois que eu consegui tocar nesse assunto (e ainda hoje, 10 anos depois, quando falo meu olho se enche de lágrimas). Foi muita dor. Dor não é só o que a gente sente quando corta o dedo ou quando opera a vesícula. A pior dor que a gente sente é da tortura mental, que te mata por dentro.

Dona Vera, minha terapeuta, com suas sobrancelhas arqueadas, me perguntava:

– “quem liga para como é o seu corpo? Se é gordo ou magro?”

– “os outros”

– “mas quem são os outros?”

– “todas as outras pessoas!”

– “e como essas pessoas influenciam no curso que leva a sua vida?”

–  ………

– “então por que você se importa tanto com o que elas acham de você?”

– ……….

– “já parou para pensar, que você está deixando sua vida ser levada pela opinião de pessoas que não influenciam em nada nela? Já pensou que você está anulando sua personalidade para isso?”

 

Dona Vera me deu um estalo que eu estava precisando. Eu precisava desse “clic” para conseguir analisar de fora como tinha sido horrível aquilo pelo que eu passei. Como eu tinha maltratado o meu corpo, a minha mente e a minha vida em busca de aprovação. E era isso mesmo que eu queria: aprovação. Eu queria que minha mãe não achasse defeitos em mim, que os meninos do colégio quisessem me namorar, me exibir, eu queria ser irretocável. Eu queria negar tudo que fizesse de mim quem eu era, para simplesmente virar um objeto de exposição. Mal sabia eu que só fica em exposição o que já está morto.

Eu costumo dizer que foi a faculdade que me fez enxergar a beleza que cada pessoa tem, cada uma a seu modo. Mas acho que quem realmente me fez enxergar isso foi eu mesma. Uma vez que eu entendi que cada pessoa é única e o que torna uma pessoa o que ela é seu conjunto de qualidades e defeitos, passei a admirar cada pessoa como um quebra-cabeça. Todas as peças são necessárias para montar um lindo quadro no final. E não dá para simplesmente tirar umas pecinhas de um quebra-cabeça só porque ele tem 500 peças – da mesma forma que não dá para tirar uns quilinhos só porque alguém tem de sobra.

As pessoas são diferentes e isso é bom. Cada pessoa gosta de uma coisa e isso é muito bom. Eu aprendi a descobrir do que eu realmente gostava. Descobri quem era a Juliana, o que ela tinha prazer em comer, em beber, em conversar, em ouvir, em usar, em escrever… Eu conheci uma pessoa incrível: eu mesma. E passei a amar tudo que essa pessoa fazia, passei a apreciar cada momento com ela e a dar valor aos pequenos prazeres que ela me proporcionava. E nunca mais quis brigar com ela. Só cuidar, com carinho, para que ela durasse muitos anos.

Hoje falo de boca cheia que sou uma gorda saudável e prefiro assim. Acho engraçado alguém falar “impossível alguém não querer emagrecer”. Eu já fui magra e já fui gorda. Escolhi ser assim. Eu não quero emagrecer, estou assim por opção, obrigada. Eu nunca mais quis ser diferente do que eu sou. Sim, eu quero que amanhã eu sempre seja uma versão melhorada de hoje, mas que para isso eu não tenha que sacrificar as minhas horas de alegria e nem o meu prazer de viver. Que para isso, eu não tenha que derramar lágrimas toda vez que me vejo no espelho. Eu sou assim, gordinha, com a mente muito mais rápida que o metabolismo.

Eu já disse e levo isso como mantra na minha vida: a minha aparência é tão pouco e tão pequena perto da mulher incrível que eu posso ser. Pra quê perder a vida tentando transformar a minha aprência, enquanto eu posso crescer de tantas outras formas? Enquanto o que está por dentro pode ser tão mais lindo e gerar muito mais frutos do que o que vem por fora?

O tempo passa, a gente envelhece, os padrões mudam, as pessoas vão e vêm. A única coisa que você consegue salvar é o que você cultivou de dentro para fora.

 

Confesso que já fui obcecada por peso e isso não me levou a lugar algum. Hoje sou apaixonada pela vida e vou para onde quiser (e isso inclui a academia, se me der vontade).

 

 

Obs: demorei mais de 4 anos para compartilhar essa história no blog, mas senti que era a hora de fazer o “Confissões de uma mulher normal” depois de um comentário infeliz de um rapaz que dizia “quero ajudar as meninas a se livrarem do martírio que é ser gordinha”. Eu digo que martírio é viver em função do seu corpo, gordo, magro, alto baixo, musculoso ou raquítico. Martírio é viver em função de futilidades. Ser quem você é não é um peso, é uma libertação!

 

 Obs 2: antes que alguém fale alguma coisa, eu cuido do meu corpo, da minha alimentação e do meu bem-estar. Só não deixo que isso tome conta da minha vida e de todas as minhas experiências!

 

 

Sair da versão mobile