Enquanto aguardo na sala de espera de exames de rotina, leio que atletas treinados caem e têm seus corpos abandonados causando engarrafamento de cadáveres ao longo da subida do Monte Everest. Me vem à cabeça uma frase que eu ouço com mais frequência do que seria salubre: “se você continuar assim você vai morrer”.
Imagem de engarrafamento de escaladores no Monte Everest o que coloca em risco eminente suas vidas.
A severidade sempre foi maior com a minha morte eminente, do que com a das pessoas ao meu redor. A diferença? Sou gorda. É como se enquanto estivesse todo mundo lutando pela vida eterna, eu já tivesse desistido, com 20 anos, de querer lutar contra a única certeza da vida. Sim, estamos todos morrendo, dia após dia, invariavelmente, a cada ano que passa.
Por que o desespero e a urgência são tão desproporcionalmente maiores com o corpo gordo do que com um corpo magro qualquer?
Então traço o paralelo que me deixa pensativa: por que o desespero e a urgência são tão desproporcionalmente maiores com o corpo gordo do que com um corpo magro qualquer? Seja de quem vai escalar o Monte Everest, ou de quem, de hora em hora, sai pra fumar um cigarrinho, e até com quem malha, faz dieta, cuida da pele e aos fins de semana se entope de alucinógenos em uma festa qualquer.
Por que é mais incômoda a existência do meu corpo gordo, vivo e realizador, do que a existência de vários cadáveres magros por motivos imensamente mais esdrúxulos? Por que é mais execrável a minha morte do que a de um corpo magro que se coloca em risco, por livre e espontânea vontade, todos os dias? Todos nós escolhemos o nosso “continuar assim” dia após dia, baseados nas nossas vivências, conhecimentos, hábitos, genética, metabolismo, traumas e toda a complexidade que envolve uma vida.
Nessa ânsia de não morrer é que muita gente acaba perdendo a vida… As vezes deixando de vivenciar momentos e experiências incríveis bitolada em dietas e exercícios ou, pior, aberta em uma mesa de cirurgia. Os riscos que se corre buscando o ideal de magreza são iguais ou ainda maiores que os riscos que eu corro vivendo como uma gorda que se ama e se cuida e, ainda assim, nada impede que ambos tenhamos acidentes ou doenças fatais em qualquer época de nossas vidas.
Então pense aí: por que a vida de uma pessoa magra é sinônimo de saúde, mesmo que ela adoeça para manter a magreza, e a a vida de uma pessoa gorda é sinônimo de morte, mesmo que ela viva todos os dias da melhor maneira possível pra si? No fim, acostumadas à sua própria jaula as pessoas querem aprisionar quem ousa tentar ser livre.
Nessa ânsia de não morrer é que muita gente acaba perdendo a vida…
A mim só resta uma certeza: a frustração dos gordofóbicos quando, do alto de sua prepotência, eles descobrirem que a morte não é exclusividade de um corpo gordo. Então deixo um aviso a você, que supostamente se preocupa tanto com a minha saúde: se VOCÊ continuar assim, você também vai morrer.